
Joyce Capelli (presidente) e Gabriela Nasser (vice-presidente) do Instituto Melhores Dias.
Uma pesquisa conduzida pela Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) e publicada na Revista Brasileira de Epidemiologia traz um dado profundamente preocupante: entre 2006 e 2023, a prevalência de consumo abusivo de bebidas alcoólicas entre mulheres residentes nas capitais brasileiras praticamente dobrou, passando de 7,7% para 15,2%.
Entre os homens, o índice também cresceu, embora de forma mais moderada — de 24,8% para 27,3% no mesmo período.
Mais que números: um reflexo social
O crescimento expressivo entre mulheres não é apenas uma estatística, ele reflete mudanças sociais, pressões culturais, jornadas múltiplas de trabalho, além de outros fatores emocionais e estruturais que influenciam a saúde e o bem-estar. O álcool, que muitas vezes é utilizado como forma de aliviar o estresse, traz sérios riscos à saúde: desde danos ao fígado e doenças cardiovasculares até transtornos mentais, aumento de vulnerabilidade social e impactos na vida familiar e profissional.
Tendência global preocupante
Esta tendência não é um fenômeno observado somente no Brasil. Nos Estados Unidos, um estudo recente mostra um aumento não só no consumo abusivo de álcool entre as mulheres, mas também aumento da mortalidade relacionada ao álcool.
A situação é especialmente preocupante quando pensamos na população jovem e mulheres em idade fértil – grupos para os quais o consumo de álcool deve ser evitado, especialmente durante a gestação.
Embora pesquisas indiquem uma queda no consumo geral entre jovens, o padrão de “binge drinking” (consumo abusivo de cinco ou mais doses em uma única ocasião) em festas e celebrações tem aumentado, com consequências imediatas e de longo prazo.
Mudando o cenário
Desde 2022, o Instituto Melhores Dias desenvolve, em parceria com equipes de saúde da atenção primária, o programa ModerAção que atua na prevenção e detecção precoce do consumo abusivo de álcool, uma iniciativa conjunta do Instituto Melhores Dias e do Grupo HEINEKEN. O projeto, implementado inicialmente em dois municípios paulistas, capacita profissionais para aplicar a triagem e a intervenção breve (SBI) recomendada pela OMS. Em Araraquara e Jacareí, a criação de uma plataforma digital baseada no AUDIT tem permitido identificar padrões de consumo e oferecer aconselhamento individualizado, beneficiando diretamente equipes da Estratégia Saúde da Família e Agentes Comunitários de Saúde.
Neste ano de 2025, o programa expandiu para São Paulo, em parceria com a ANCAT (Associação Nacional de Catadores e Catadoras de Materiais Recicláveis), levando a metodologia de rastreio e aconselhamento aos catadores de material reciclável, com o foco em redução de danos e sempre oferecendo informações de forma a respeitar os contextos locais e evitando estigmatizações.
Além das ações de prevenção, é essencial reconhecer que o uso nocivo de álcool e as doenças crônicas não transmissíveis (DCNTs) estão profundamente ligados aos determinantes sociais da saúde — como renda, escolaridade, condições de trabalho, moradia, acesso a serviços de saúde e redes de apoio social. Enfrentar esses fatores estruturais é fundamental para garantir que a prevenção seja eficaz e equitativa. Por isso, nossas iniciativas também se alinham às metas globais da OMS e à agenda de redução de DCNTs, integrando educação em saúde, políticas públicas e engajamento comunitário para criar ambientes que favoreçam escolhas mais seguras e saudáveis.
O aumento exacerbado de 7,7% para 15,2% no consumo abusivo entre mulheres é mais do que um número: é um alerta para ação imediata e integrada entre poder público, sociedade civil e setor privado. O IMD segue comprometido em atuar com evidência científica, empatia e estratégias efetivas para transformar esses indicadores e contribuir para uma sociedade mais saudável e consciente.