A equipe do Instituto Melhores Dias conversou com Vanessa Gomes, Secretária de Educação e Cultura do município de Umburanas e com Jeorge Ribeiro da Silva, Secretário de Educação de Sento Sé, cidades baianas que recebem o programa Escola Saudável em parceria com a Fundação ENGIE e apoio dos governos locais.
Acompanhe os relatos:
UMBURANAS
A fala da Secretária Vanessa, enfermeira especializada em Saúde Pública, que está à frente da Educação municipal desde 2017, é um retrato das adversidades que as pequenas cidades brasileiras têm vivido, em especial as mais pobres. “Nosso município é carente, um dos mais pobres da Bahia. Impacto da pandemia na educação foi enorme. A dificuldade para ensino à distância é imensa. A parcela das famílias dos nossos alunos que não tem acesso nem à internet nem ao celular é grande ou, quando têm, é como alguns pais relatam: são três, quatro crianças para apenas um aparelho celular em casa. Sem contar os professores que também foram impactados.”
“Nosso município é carente, um dos mais pobres da Bahia. Impacto da pandemia na educação foi enorme. A dificuldade para ensino à distância é imensa.”
Vanessa Nunes Gomes Freires, Umburanas
O tempo do afastamento das crianças da escola tem sido um adversário dificílimo de ser derrotado. As aulas na cidade foram suspensas em 18 de março do ano passado e ainda não retornaram, mantendo-se apenas de forma remota. Em agosto do ano passado, Umburanas deu início a um Plano Pedagógico Emergencial com aulas à distância.
Ela explicou que foram oferecidos cursos gratuitos para ajudar os educadores na transição para o ensino à distância, mas nem todos têm um aparelho celular ou computador adequados.
“Vamos terminar o ano letivo de 2020 em maio deste ano e iniciaremos 2021 em junho. Umburanas é um município carente e extenso, com 42 povoados e seis escolas rurais. Sem internet estamos entregando atividades impressas para boa parte desses alunos a cada 15 dias, assim como foi a cartilha de atividades sobre saúde e nutrição entregue pelo Instituto. Mas o problema é que boa parte dos alunos não devolve os trabalhos. Sinto a necessidade de haver um maior engajamento das famílias na educação das crianças. Os pais argumentam que não têm paciência para ajudar os filhos nos deveres. Na verdade, falta educação e de disposição para apoiarem a educação dos filhos”, analisa a Secretária.
Sem contato direto com os alunos, oriundos de famílias pobres, sem estrutura mínima, a estrutura social das famílias também é impactada, avalia Vanessa: “Muitos alunos chegavam cedo na escola sem café da manhã. A merenda era fundamental para eles. Estamos distribuindo o kit merenda, mas é pouco para a família toda”, diz.
Essa nova realidade tem resultado em evasão escolar. A Secretária disse estimar que entre 12 e 15 por cento dos alunos abandonaram a educação desde o início da pandemia. “Temos 3 mil alunos na rede e a estimativa é a de que cerca de 400 tenham abandonado completamente os estudos. A maioria entre os adolescentes que frequentavam do 6º ao 9º ano do Ensino Fundamental. Muitas meninas engravidaram. Muitos jovens se casaram… Já acionamos até o Conselho tutelar. Quando havia aula normal, a presença era obrigatória para que as famílias recebessem incentivos financeiros do Estado, como o Bolsa Família.” Mas agora, ela explica, o benefício é entregue sem a aferição do comparecimento às aulas e as famílias não se importam com o afastamento das crianças.
Segundo Vanessa, a expectativa de melhora está voltada para o retorno às aulas, mesmo que de forma semipresencial: “Ainda acredito que iniciaremos as aulas semipresenciais com 50% da turma em um dia e os outros 50% no dia seguinte. Se continuarmos neste formato remoto por muito mais tempo a perda de alunos será grande demais. O que mais precisamos é de apoio social para aproximar as famílias da escola. Temos de encontrar uma maneira de incentivar a aproximação e o retorno de nossos alunos par ao ambiente escolar.”
SENTO SÉ
Jeorge Ribeiro da Silva assumiu a Educação de Sento Sé em fevereiro deste ano. A pandemia já havia feito seus estragos. As aulas presenciais estão suspensas desde março do ano passado. Na época, ele era gestor de escola. “Acompanhei tudo de dentro da escola. Sou professor efetivo da rede desde 2006 e em 2017 passei a gestor. Como no resto do Brasil, o afastamento do aluno é prejudicial, sempre. Muda muito a rotina de todos. Impacta na formação da personalidade individual e na compreensão da importância do respeito mútuo. Principalmente porque aqui na cidade há crianças que não tem apoio da família por falta de condições sociais.”
Em Sento Sé a equipe da educação procurou alternativas para não interromper o ensino. Apenas 15 dias após a suspensão das aulas foi dado início ao ensino à distância, antes mesmo da oficialização do Estado, que foi em julho. As aulas seguiram no formato não presencial até 11 dezembro de 2020 e, após recesso, retornaram em 6 de fevereiro de 2021. “Em 23 de dezembro de 2021, encerraremos esse biênio complicado”, disse Jeorge.
Apesar da agilidade em retomar atividades, as dificuldades também se apresentaram rapidamente, em especial por conta de um agravante: o território de Sento Sé é enorme. “São 12 mil, 481 quilômetros quadrados de área, mais da metade de todo o Estado de Sergipe. Temos 62 unidades escolares e apenas 10 delas são na sede, as outras 52 estão espalhadas pelo interior, há escola que fica a 200 quilômetros da sede. São muitas regiões nas zonas rurais sem acesso à internet”, diz.
Onde não há acesso às aulas online, enviamos, a cada 15 dias, atividades impressas por moto taxistas. São atividades diferenciadas para facilitar o entendimento.
Jeorge Ribeiro da Silva, Sento Sé
O Secretário explica que a rede de ensino municipal tem um sistema de nucleação: “As crianças das comunidades menores são levadas de ônibus para frequentar aulas em núcleos maiores. A pandemia exigiu uma nova estratégia para atender os alunos. Onde não há acesso às aulas online, enviamos, a cada 15 dias, atividades impressas por moto taxistas. São atividades diferenciadas para facilitar o entendimento. Quando vai uma remessa nova o moto taxista traz a anterior resolvida. Aqui na sede, para famílias excluídas digitalmente, entregamos o bloco de atividades nas escolas. Os pais vão buscar e entregar. O foco é não deixar nenhum aluno para trás”, afirma.
Outra preocupação é com a alimentação das crianças que ficaram sem merenda. Segundo Jeorge, a cada três meses, são entregues kits merenda reforçados. “Não entregamos um kit por família, entregamos um kit por aluno.”
Apesar dos esforços para manter a normalidade da educação municipal, o Secretário avalia que está escancarado na cidade um problema que é nacional: a falta de acesso ao ensino à distância para crianças de famílias menos favorecidas. Ele acredita que serão necessários anos para compensar a dificuldade de aprendizagem imposta pelo vírus da Covid e que a evasão escolar, por mais que seja combatida, vai aumentar. Por isso, o desejo expressado por ele é de retornar o mais breve possível às aulas presenciais. “Não acho que seja o momento ainda, mas já temos um estudo para fazer o retorno híbrido com 50% da turma presente. A vacinação dos professores com 55 anos de idade teve início.”
Neste ambiente de dificuldades, O Secretário Jeorge concluiu seu relato avaliando a importância de parcerias entre o município e organizações da Sociedade Civil, como o Instituto Melhores Dias. “São muito importantes. As portas estão abertas para qualquer organização que venha apoiar e somar ao ensino em Sento Sé.”